Estás a ouvir menos música do que pensas!

Como a cultura do skip e das playlists nos faz perder a experiência completa dos álbuns

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Nunca foram recolhidos tantos dados na indústria da música como atualmente. Os artistas são seguidos pelos números que movem, existindo agora uma massiva base de dados com as preferências dos ouvintes: quantos segundos passam a ouvir cada faixa, onde começam a ouvir, quanto tempo ficam, se fazem skip, quando fazem skip, se partilham a música. Tudo é filtrado, transformado em tabelas e analisado para prever comportamentos e moldar lançamentos futuros.

Há quem diga que, com a idade, ouvimos menos música devido à formação de uma "zona de conforto" musical, onde regressamos sempre aos mesmos artistas e estilos que nos marcaram. Mas e se o problema não for apenas a nostalgia? E se a forma como consumimos música hoje, através de playlists infinitas e o recurso fácil ao skip, nos estiver a afastar da verdadeira experiência de um álbum?

Quando a banda britânica Radiohead colocou o álbum In Rainbows (2007) disponível para download, permitindo que os fãs escolhessem quanto pagar, o The Sunday Times publicou um artigo a anunciar a morte da indústria musical (Sandall, 2007). Embora exagerada, a previsão evidenciava um mundo em rápida transformação. O streaming tornou-se a regra, e a ideia de ouvir um álbum do início ao fim parece cada vez mais anacrónica, embora a primeira música disponível apenas em formato digital tenha sido Head First (1994) dos Aerosmith que demorava 60 a 90 minutos a descarregar.

Com a revolução digital, a música ficou mais acessível, moldando a forma de como a consumimos. Nos anos 80, uma loja de discos tinha um stock limitado; hoje, um smartphone ligado à internet carrega uma biblioteca infinita de sons. Mas com tantas opções, a tendência é saltar entre músicas sem nos prendermos a uma obra completa. Segundo um estudo da IFPI (2022), 55% dos ouvintes globais preferem playlists personalizadas em vez de álbuns completos.

As plataformas de streaming priorizam singles e playlists algorítmicas, onde as faixas são plantadas em sequência para o ouvinte se manter a ouvir o máximo possível. Os álbuns perdem espaço para compilações personalizadas, onde muitas vezes nem sabemos o nome do artista que estamos a ouvir. E se não gostamos dos primeiros segundos, num simples toque no ecrã saltamos para outra canção que nos delicia os ouvidos. De acordo com a Chartmetric (2024), 35% das músicas no Spotify são skipadas nos primeiros 30 segundos.

A tangibilidade do som, que antes era limitada aos suportes físicos como o vinil, cassetes e o CD, desapareceu no digital. Há quem defenda que a perda desse vínculo físico possa levar à perda de conexão emocional com a música. Se antes ouvíamos um álbum até ao fim, mesmo que houvesse faixas menos cativantes, hoje temos a liberdade (e a impaciência) de selecionar apenas aquilo que nos prende nos primeiros segundos.

Mas o ser humano tem a tendência de se saturar quando tudo é abundante. O paradoxo de escolha pode estar a tornar a experiência musical menos significativa. Num mundo onde temos acesso a tudo, o verdadeiro desafio é aprender a escutar. Talvez seja hora de resistirmos à cultura do skip e voltarmos a dar uma oportunidade à experiência completa de um álbum. Quem sabe o que podemos (re)descobrir?




Fontes:
IFPI report
Chartmetric report
Artigo do The Times sobre Radiohead